Diálogo sobre a poesia oral na Cabília: entrevista de Mouloud Mammeri a Pierre Bourdieu
Neste diálogo, Pierre Bourdieu e o etnólogo, escritor e poeta argelino Mouloud Mammeri (1917-1989) exploram e explicam as bases sociais, os usos e o sentido da poesia oral na sociedade e história cabilas. Como filho do penúltimo amusnaw (sábio; bardo) de sua tribo, Mammeri estava posicionado de maneira única para situar esse mestre das palavras que atuou na função tradicional de mediador e transportador do conhecimento e manteve-se como a encarnação viva da tamusni (a filosofia prática da excelência berbere), em relação com o marabuto (depositário das sagradas escrituras do Corão) e com os camponeses (que compõem seu público principal). Torná-se amusnaw graças a uma eleição e isso requer um duplo aprendizado: primeiro, por osmose em um meio saturado de comércio e disputas verbais (no treinamento de guerra, na assembléia da vila, nos mercados e nas peregrinações) e, depois, por meio de um treinamento explícito com um poeta-mestre que orienta uma série de exercícios e provas. Esse processo requer não apenas o domínio de uma variedade de técnicas verbais e de um cânone oratório, mas também implica absorver e encarnar a sabedoria. Jogando com a multidimensionalidade da linguagem, adaptando-a com flexibilidade diante das especificidades de cada situação e público, o bardo cabila era continuamente testado e suas habilidades culturais infinitamente refinadas, até o ponto em que ele não apenas dominasse as regras do ofício, mas também jogasse com elas, trangredindo-as no espírito da tradição a fim de inventar novas figuras retóricas e extrair o máximo de "rendimento" da linguagem. A tamusni emerge assim não apenas como um corpo de conhecimento inerte, desligado da vida e transmitido por si mesmo, mas como uma "ciência prática", constantemente revivida pela e para a prática. O poeta é o porta-voz do grupo que, por meio de seu discernimento cultural e uso técnico da linguagem, aperfeiçoa os valores específicos do grupo, separa coisas que são confusas e, ao iluminar o que é obscuro, mobiliza seu povo.
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Format: | Digital revista |
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Published: |
Universidade Federal do Paraná
2006
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oai:scielo:S0104-447820060001000062007-03-02Diálogo sobre a poesia oral na Cabília: entrevista de Mouloud Mammeri a Pierre BourdieuBourdieu,Pierre poesia oratória tradição saber prático artesanato Cabília Neste diálogo, Pierre Bourdieu e o etnólogo, escritor e poeta argelino Mouloud Mammeri (1917-1989) exploram e explicam as bases sociais, os usos e o sentido da poesia oral na sociedade e história cabilas. Como filho do penúltimo amusnaw (sábio; bardo) de sua tribo, Mammeri estava posicionado de maneira única para situar esse mestre das palavras que atuou na função tradicional de mediador e transportador do conhecimento e manteve-se como a encarnação viva da tamusni (a filosofia prática da excelência berbere), em relação com o marabuto (depositário das sagradas escrituras do Corão) e com os camponeses (que compõem seu público principal). Torná-se amusnaw graças a uma eleição e isso requer um duplo aprendizado: primeiro, por osmose em um meio saturado de comércio e disputas verbais (no treinamento de guerra, na assembléia da vila, nos mercados e nas peregrinações) e, depois, por meio de um treinamento explícito com um poeta-mestre que orienta uma série de exercícios e provas. Esse processo requer não apenas o domínio de uma variedade de técnicas verbais e de um cânone oratório, mas também implica absorver e encarnar a sabedoria. Jogando com a multidimensionalidade da linguagem, adaptando-a com flexibilidade diante das especificidades de cada situação e público, o bardo cabila era continuamente testado e suas habilidades culturais infinitamente refinadas, até o ponto em que ele não apenas dominasse as regras do ofício, mas também jogasse com elas, trangredindo-as no espírito da tradição a fim de inventar novas figuras retóricas e extrair o máximo de "rendimento" da linguagem. A tamusni emerge assim não apenas como um corpo de conhecimento inerte, desligado da vida e transmitido por si mesmo, mas como uma "ciência prática", constantemente revivida pela e para a prática. O poeta é o porta-voz do grupo que, por meio de seu discernimento cultural e uso técnico da linguagem, aperfeiçoa os valores específicos do grupo, separa coisas que são confusas e, ao iluminar o que é obscuro, mobiliza seu povo.info:eu-repo/semantics/openAccessUniversidade Federal do ParanáRevista de Sociologia e Política n.26 20062006-06-01info:eu-repo/semantics/articletext/htmlhttp://old.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-44782006000100006pt10.1590/S0104-44782006000100006 |
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