Classificações em psiquiatria: uma história conceitual
CONTEXTO: As análises históricas sobre classificações psiquiátricas foram até agora escritas sob uma perspectiva preconcebida. Essas análises assumem duas pressuposições: 1) a ação de classificar é inerente à mente humana; e 2) os 'fenômenos' psiquiátricos são objetos naturais estáveis. OBJETIVOS: O objetivo deste artigo é fornecer um esboço da evolução das classificações psiquiátricas sob o ponto de vista da história conceitual*, que pode ser definida como uma investigação teórica e empírica dos princípios, das técnicas e dos contextos nos quais os alienistas conduziram sua tarefa classificatória. Assume-se que todas as classificações psiquiátricas sejam produtos culturais e procura-se responder à questão da possibilidade de os modelos classificatórios importados das ciências naturais serem aplicados a construtos humanos (tais como doença mental), por definição baseados em 'semânticas personalizadas'. MÉTODOS: Exemplares da atividade classificatória são primeiramente mapeados e contextualizados. Sugere-se, então, que em cada período histórico a elaboração de classificações tenha-se dado como num jogo de xadrez, em que todo movimento é governado por regras. Isso é ilustrado por uma análise do debate francês sobre classificações, ocorrido em 1860-1861. RESULTADOS E CONCLUSÕES: 1) A medicina não é uma atividade contemplativa, mas, sim, uma atividade modificadora; portanto, as classificações têm valor apenas na medida em que possam produzir novas informações sobre os objetos classificados. 2) O fato de as classificações não funcionarem bem (ou seja, de se comportarem como meros instrumentos descritivos) não significa que devam ser abandonadas. O trabalho conceitual precisa continuar identificando 'invariantes' (ou seja, elementos estáveis que ancorem as classificações à 'natureza'). 3) Na medida em que os transtornos mentais representam mais do que epifenômenos comportamentais envolvendo alterações moleculares estáveis, as invariantes 'neurobiológicas' podem não funcionar adequadamente. A estabilidade depende de contingências temporais (conjunturas). Além disso, é improvável que classificações baseadas em genes venham a ser consideradas como classificação de transtornos mentais. Elas teriam baixo poder preditivo pela falta de informação sobre os códigos definidores de doença mental. Por outro lado, as invariantes 'sociais' e 'psicológicas' têm seus próprios problemas.
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Format: | Digital revista |
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Published: |
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
2008
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oai:scielo:S0101-608320080003000052008-07-15Classificações em psiquiatria: uma história conceitualBerrios,German E. Classificação diagnóstico categoria natural psiquiatria taxonomia CONTEXTO: As análises históricas sobre classificações psiquiátricas foram até agora escritas sob uma perspectiva preconcebida. Essas análises assumem duas pressuposições: 1) a ação de classificar é inerente à mente humana; e 2) os 'fenômenos' psiquiátricos são objetos naturais estáveis. OBJETIVOS: O objetivo deste artigo é fornecer um esboço da evolução das classificações psiquiátricas sob o ponto de vista da história conceitual*, que pode ser definida como uma investigação teórica e empírica dos princípios, das técnicas e dos contextos nos quais os alienistas conduziram sua tarefa classificatória. Assume-se que todas as classificações psiquiátricas sejam produtos culturais e procura-se responder à questão da possibilidade de os modelos classificatórios importados das ciências naturais serem aplicados a construtos humanos (tais como doença mental), por definição baseados em 'semânticas personalizadas'. MÉTODOS: Exemplares da atividade classificatória são primeiramente mapeados e contextualizados. Sugere-se, então, que em cada período histórico a elaboração de classificações tenha-se dado como num jogo de xadrez, em que todo movimento é governado por regras. Isso é ilustrado por uma análise do debate francês sobre classificações, ocorrido em 1860-1861. RESULTADOS E CONCLUSÕES: 1) A medicina não é uma atividade contemplativa, mas, sim, uma atividade modificadora; portanto, as classificações têm valor apenas na medida em que possam produzir novas informações sobre os objetos classificados. 2) O fato de as classificações não funcionarem bem (ou seja, de se comportarem como meros instrumentos descritivos) não significa que devam ser abandonadas. O trabalho conceitual precisa continuar identificando 'invariantes' (ou seja, elementos estáveis que ancorem as classificações à 'natureza'). 3) Na medida em que os transtornos mentais representam mais do que epifenômenos comportamentais envolvendo alterações moleculares estáveis, as invariantes 'neurobiológicas' podem não funcionar adequadamente. A estabilidade depende de contingências temporais (conjunturas). Além disso, é improvável que classificações baseadas em genes venham a ser consideradas como classificação de transtornos mentais. Elas teriam baixo poder preditivo pela falta de informação sobre os códigos definidores de doença mental. Por outro lado, as invariantes 'sociais' e 'psicológicas' têm seus próprios problemas.info:eu-repo/semantics/openAccessFaculdade de Medicina da Universidade de São PauloArchives of Clinical Psychiatry (São Paulo) v.35 n.3 20082008-01-01info:eu-repo/semantics/articletext/htmlhttp://old.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-60832008000300005pt10.1590/S0101-60832008000300005 |
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